segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Crônicas de acadêmicos - Carnificina

Carnificina

Eu só tinha certeza de duas coisas: a hora da prova era agora e eu não sabia de nada. Aquela costumeira olhadinha no conteúdo antes do teste começar não foi o bastante para me ajudar, pois enquanto estava tentando fixar em minha mente algumas frases aleatórias do meu caderno, a professora entrou pela porta. Chegou imponente, com seus cabelos ruivos balançando, segurando sua pasta que, naquele momento, parecia aterrorizadora. Ao seu olhar, era mais um dia ordinário na escola, mas não para mim. Era como um filme de terror. Ela andava lentamente e o seu salto-alto ecoava pela sala, martelando os meus tímpanos.

Como um torturador, sacou seus instrumentos de tortura e começou a distribuí-los um por um pelos alunos. Deixou uma cópia da prova de três páginas na minha mesa quando passou – a qual pareceu cair como uma tonelada sobre a frágil e rabiscada mesa de madeira. Assinar o meu nome era o mais difícil. Senti como se estivesse assinando a minha sentença de morte ou o meu testamento.

Calma, não pode ser tão ruim, pensei. Vamos começar pelas questões fáceis e usar o resto do tempo para as difíceis. Mau plano, mau plano. Não sabia a resposta de nenhuma das questões e pular para a seguinte doía tanto quanto levar um chicotada nas costas. Última folha e nenhuma feita. Tenso. O jeito é chutar as respostas nas perguntas de multipla-escolhas,e nas de Verdadeiro ou Falso, mas isso era exatamente como não responder e deixar em branco – e também tão doloroso quanto uma enfermeira errar a veia e precisar furar nosso braço de novo a procura da mesma. É uma dor consciente. Um massacre passivo, onde apenas assistimos tudo sem poder fazer nada. Quanto mais tentava responder, mais parecia me auto-flagelar. Conseguia até ouvir o meu sangue pingando da minha mesa no chão, formando poças.

Dizem que toda a nossa vida passa diante dos nossos olhos quando estamos prestes a morrer. Isso era verdade. Parecia ver meus pais aos prantos e irmão passando por mim.

- Aonde foi que eu errei, querido?

- Meu amor, isso poderia ter acontecido com qualquer um. A culpa não é nossa. Culpe o infeliz por não ter se esmeirado até seu último minuto.

- Mano, posso ficar com o seu rádio? Não vai mais precisar dele. A propósito, vou ver se tenho alguma chance com a sua namorada, afinal não vai mais precisar dela para onde você vai.

Por quê? Por que não havia estudado? Essa resposta era a única que sabia: estava empolgado demais com a viagem que faria no final do ano para Bariloche com meus pais. Estava louco de animação com o simples fato de tirar as fotos para o passaporte no próximo final de semana. Bom, esse era o menor dos meus problemas, pois eu estava numa chacina e talvez não saísse com vida daquele matadouro.

Sinal toca. O período chega ao fim. Levanto e caminho, meio sem consciência, um andar totalmente mecânico, até a mesa da professora para devolver a prova – que devia estar encharcada do meu sangue. Não tive coragem de contar aos meus pais o que de fato tinha acontecido naquele dia e fomos todos tirar as fotos como planejado. Não estava tão animado quanto antes, pois sabia que não iria passar as férias naquele lugar lindo e gelado por causa da minha nota – que seria quase abaixo de zero, assim como Bariloche.

- Não pode rir em fotos para documentos – lembrou-me minha mãe.

As olheiras profundas em meus olhos não me deixavam sorrir. Estava estampando em meu rosto que algo não estava certo comigo. Para que tirar foto para uma viagem a qual não iria? Tudo era uma questão de tempo até meus pais descobrissem tudo. Não estava tirando uma foto para o meu passaporte, e sim para a minha lápide. Flash!
 
Crônica do acadêmico Filipe Klimick Rodrigues

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